sexta-feira, 11 de junho de 2010

Nº 07 - 16/09/2008


Vez ou outra, Severino Francisco chega com um papel amassado e
dobrado irregularmente em quatro partes, e pede para que eu leia.
Não sei por que ele faz isso. Nunca perguntei. Mas eu
leio com o maior prazer do mundo. É a próxima crônica a ser publicada.
“E aí? Ficou boa?”, ele pergunta. Caramba, quem sou eu?
Só tenho a agradecer por tamanho privilégio.
Severino é uma figura que me faz lembrar o cavaleiro
Dom Quixote, de Cervantes. Magro, barba comprida.
E caótico, por que não? Uma profusão de idéias na cabeça,
um conhecimento invejável dos grandes compositores e escritores desse Brasil.
Vou resumir a noite da última Terça Crônica pela moça,
de cabelos curtos e pretos, que se sentou na primeira fila com o intuito de sair
mais cedo. Durante a leitura das crônicas,
prestei atenção no pé direito do cronista, sapatos
empoeirados, que ele balançou insistentemente durante a hora inteira
que durou a apresentação, e na moça que grudou
os olhos e o ouvido ao que o jornalista e cronista do Correio fazia fluir.
A platéia se divertiu e aplaudiu as passagens pitorescas nos seus textos e nos casos
que contou. Como essa coisa de deixar os mortos falar em suas crônicas. “É a internet
espiritual”, disse ele. Enquanto os olhos de Severino brilhavam, como os de uma criança
feliz, com a declamação de seus textos, a moça embevecida ia ficando. No final, ela
disse que desistiu de ir, de “tão bom que estava”.
Conheceu um pouco e se encantou pelo cronista. Na noite foram citados Rubem
Braga, Noel Rosa, Nelson Rodrigues, Darcy Ribeiro e Cartola.
“A gente tem de se segurar nessas pessoas geniais. O Brasil é um país extraordinário”, disse
Severino, que começou a trabalhar como jornalista cultural no final da década de 1960, e
conheceu de perto muitas delas. Sobre Cartola, elogio para a crônica que lembrou a visita
do sambista à Escola Parque da 308 Sul em 1978, em que o autor sugere um tombamento
que eternize o momento.
Entendo a moça que não quis embora, diante de uma figura que espreme os olhos, e
tira da memória textos de Moreira da Silva e Augusto dos Anjos. Deixou lá a sensação de
tempo curto para quem conseguiu juntar os sentimentos dos nossos grandes poetas e
músicos. Um dia desses, comentei sobre um livro de Ferreira Gullar que havia ganhado. E
lá veio uma aula sobre o poeta, versos que ele guarda. Impressionante como, de cada um,
há um trecho na cabeça. Ele explicou lá que é a herança de repentista, do pai nordestino.
A noite foi intercalada com músicas de Cazuza, que ele me pediu para não dizer, mas
que preferiria Nelson Cavaquinho: “Tire o seu sorriso do meu caminho que eu quero passar
com minha dor”. Das músicas de Cazuza, pena que não tocaram Faz parte do meu show, a
que ele mais aprecia. Sobre Cazuza, a menção aos grandes mestres esquecidos. “A música de
Cazuza ainda está circulando. Cartola e Noel estão no circuito marginal.” Mestres que Severino
não deixa morrer nas suas crônicas, todas as segundas-feiras. Rovênia Amorim






Cazuza

Crônicas viscerais de Severino Francisco
e músicas de Cazuza
ARTHUR H. HERDY
ESPECIAL PARA O CORREIO
“A crônica é um drible no senso comum”. A frase de Severino
Francisco ilustra esse gênero literário que tem como força motriz
a visão peculiar sobre fatos e nuances do cotidiano. Hoje, às
21h, no Teatro Goldoni (Casa D’Itália), o jornalista do Correio
Braziliense é o convidado do Terça Crônica. O projeto promove a
união de literatura e música, a partir de leituras dramatizadas
feitas pelo ator e diretor Jones Schneider e interpretações de
canções por Alex de Souza. Cazuza é o compositor homenageado
da noite. A entrada é franca. Típica do jornalismo, a crônica
tem a liberdade como um de seus pilares – esse é um dos aspectos
que o jornalista Severino Francisco abordará no bate-papo
informal. “Mesmo com a variedade de novos recursos do mundo
de hoje, como a internet, a crônica continua com o mesmo desafio:
uma expressão pessoal que transcende o banal. É um gênero livre
de formalidades”, conta. Em meio ao turbilhão de tragédias impressas
diariamente no jornal, a crônica serve como um alívio. “Um
dos aspectos mais difíceis com relação as crônicas é apresentar
um lado positivo, afirmador, uma luz em meio as catástrofes. Essa
busca é a essência do estilo. Apresentar temas complicados,
polêmicos ou até os que parecem não ter importância com outros olhares”, diz.
Leitor voraz, o jornalista não titubeia em afirmar a influência
de outros grandes nomes do gênero.
“Comecei a me interessar mesmo pelas crônicas quando
passei a escreve-las. Elejo Rubem Braga e, principalmente, Nelson
Rodrigues como os maiores nomes desse estilo no Brasil. Nelson
e seu humanismo radical viraram uma referência para mim – suas
crônicas sobre futebol fazem pensar sobre o Brasil, dão uma
dimensão épica do teatro da brasilidade”, afirma.
Relação estreita Desde o mês passado, quando estreou
as atividades, o Terça Crônica mantém o intuito principal:
divulgar esse gênero literário, criando uma aura intimista entre
leitores e cronistas. “Muito se fala de romances, de poesias, mas a
crônica não é tão divulgada assim.
O interessante do projeto é descobrir mais sobre o processo
de criação, o que inspira esses escritores
e mostrar esse outro lado para o público leitor”, explica Jones
Schneider. Além de mestre-de-cerimônias do evento, Jones
usa as facetas de ator e diretor para dar nova interpretação às crônicas
selecionadas. Com o sucesso, a agenda do Terça Crônica está
preenchida até dezembro. Dentre as atrações até o fim do ano, estão
os cronistas Luis Fernando Verissimo, Maitê Proença, Carlos
Eduardo Novaes, entre outros.
Outro diferencial do projeto é a convergência entre literatura e
música. Em todas as edições, os textos são permeados por músicas
de compositores brasileiros. No encontro, música e crônica não
precisam se relacionar diretamente, mas Jones garante que,
aos poucos, encontram-se similaridades nos processos de composição
de letras, melodias e crônicas. “São dois tipos de arte que se
unem perfeitamente. Temos tradição riquíssima e singular na escrita
e essa tradição se expressa também na música. Os sambas
de Noel Rosa, Nelson Cavaquinho e Moreira da Silva, por exemplo,
são autênticas crônicas populares”, observa Severino Francisco.

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